domingo, 4 de junho de 2023

Jurisprudência cível (9)

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa – Processo n.º 366/13.2TNLSB.L2 – 11-10-2022

Navegação marítima – Actividade perigosa – Afundamento do navio – Responsabilidade civil – Presunção legal de culpa – Presunção juris tantum

I. Inexistindo regime específico nacional ou internacional quanto às consequências emergentes de sinistros que decorram do afundamento de navios, a situação ajuizada e, as circunstâncias apuradas, viabilizam a classificação da navegação marítima como actividade perigosa, i.e, sob o regime da responsabilidade civil prevenido no art. 493.º, n.º 2, do CC.
II. Não se identificando a acção “naturalística” que levou à inclinação-submersão rápida do navio, estabeleceu-se, porém, um juízo de probabilidade e plausibilidade, entre a prisão das portas ou redes, ou, o ensacamento excessivo e súbito das redes por lodo ou peixe para -lápis e, ou, também, nos cabos submarinos assentes no fundo, e bem assim, a afectação da estabilidade do navio em razão das alterações de envergadura nele efectuadas.
III. Do ponto de vista da causalidade jurídica relevante, o julgador considerou as enunciadas hipóteses como causa(s) da inclinação severa do navio, e, concluiu que, qualquer uma delas tinha possibilidade, razoabilidade, probabilidade de provocar a entrada rápida de água pelas portas franqueadas que conduziu ao afundamento, afirmando, por conseguinte, a conexão entre o naufrágio do Bolama e o dano.
IV. Ocorreu violação do dever de tráfego por parte da Ré, atenta a perigosidade inerente à actividade marítima, potenciadora de maior risco de produção de danos, ao desconsiderar frontalmente a vistoria e fiscalização das alterações introduzidas no navio e sem estudo prévio, optando, ainda assim, por zarpar com o fito de realizar prova de pesca, e em condições diferentes das suas condições típicas de carga.
V. É por força da especial perigosidade imanente à actividade, que o dever de evitar o dano se torna mais rigoroso do que aquele que é exigido, em geral, em sede de responsabilidade civil, situando-se num patamar de exigência superior e com referência aos mais elevados padrões de diligência e cuidado.
VI. Para afastar a presunção legal de culpa, a Ré teria de demonstrar que o afundamento do navio não ocorreu em consequência dos factores circunstanciais que lhe são imputáveis, e que não foi por falta das suas providências que o evento danoso deflagrou, tendo adoptado os procedimentos exigíveis para impedir o naufrágio, o que não sucedeu.
VII. A regra definida no art. 496.º do CC de atribuição e distribuição da indemnização por danos não patrimoniais pela perda de vida de familiares, não colide com a possibilidade da reclamação por um dos beneficiários da sua quota-parte correspondente.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Jurisprudência Cível (25)

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - Processo n.º 7/23.0TNLSB.L1 - 23-04-2024 (Inédito) Transitário-transportador - Contrato de transp...