sexta-feira, 2 de junho de 2023

Jurisprudência cível (6)

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa – Processo n.º 150/19.0TNLSB.L1 – 10-01-2023

Contrato de seguro – Seguro Marítimo – Cláusulas contratuais gerais – Dever de comunicação – Dever de informação – Ónus da prova

I. A impugnação da matéria de facto em sede de recurso é mais do que uma manifestação de inconformismo inconsequente exigindo, com seriedade, razoabilidade e proporcionalidade, nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil:
  • a indicação motivada (sintetizada nas Conclusões) dos concretos factos incorrectamente julgados – n.º 1, alínea a);
  • a especificação dos concretos meios probatórios presentes no processo, registados ou gravados (com a indicação das concretas passagens relevantes) – n.º 2, alíneas a) e b) – que imporiam uma decisão diferente quanto a cada um dos factos em causa, propondo uma redacção alternativa – n.º 1, alíneas b) e c).
II. Cabe ao Tribunal da Relação apreciar a matéria de facto de cuja apreciação o/a Recorrente discorde e impugne (fazendo sobre ela uma nova apreciação, um novo julgamento, após verificar a fundamentação do Tribunal a quo, os elementos e argumentos apresentados no recurso e a sua própria percepção perante a totalidade da prova produzida), continuando a ter presentes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova.
III. O Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se - após audição da prova gravada compulsada com a restante prova produzida - concluir, com a necessária segurança, no sentido de que esta aponta em direcção diversa e delimita uma conclusão diferente da que vingou na 1ª Instância.
IV. As cláusulas de um contrato de seguro, constituindo cláusulas contratuais gerais, criam para a seguradora um dever de comunicação e um dever de informação, que decorrem dos artigos 5.º e 6.º do DL n.º 466/85, de 25-10.
V. Recai sobre o segurado/beneficiário o ónus de invocar a violação ou preterição desses deveres por parte da seguradora.
VI. Recai sobre a seguradora o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva e do cumprimento do dever de informação sobre os aspectos em que ele especialmente se verifique.
VII. Os deveres de comunicação e informação têm como fundamento a protecção da parte contratualmente mais fraca, procurando assegurar a boa formação da vontade do aderente ao contrato, de forma a que tenha um prévio e cabal conhecimento das cláusulas a que se vai vincular e das suas implicações.
VIII. As exigências de efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e da sua precedente transmissão ou comunicação, têm como contrapartida – na decorrência do princípio da boa-fé – um dever de diligência média por parte do aderente enquanto destinatário da informação.
IX. A intensidade e o grau do dever de diligência que recai sobre o aderente são maiores ou menores em função das particularidades de cada caso, sobretudo as atinentes à extensão e complexidade das cláusulas e ao nível de instrução ou conhecimento do mesmo, mas isso não dispensa o proponente dos seus próprios deveres, sendo certo que não é a iniciativa do cliente que se sindica, mas o cumprimento pelo utilizador das condições necessárias a tal conhecimento.
X. Cumpre o dever de informação e de comunicação quando são entregues ao aderente (uma empresa habituada a lidar com este tipo e contratos de seguro), proposta, Condições Gerais e Condições Particulares, sem que tenha sido especialmente explicada uma cláusula de exclusão (constante das Condições Gerais) já conhecida do tomador de anteriores contratos e de fácil compreensibilidade.

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