segunda-feira, 12 de junho de 2023

Jurisprudência cível (15)

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa – Processo n.º 419/15.2TNLSB.L2 – 11-02-2022

Transporte marítimo – Contrato de seguro marítimo – Nulidade do seguro – Riscos putativos – Cláusula de boas ou más notícias

I. Dando o juiz como provada uma versão afirmativa dos factos, desnecessário se tornava repetir que a oposta não ficou provada, pois considerar-se não provado que um contrato foi celebrado em 16 de Dezembro de 2005, mais não é do que uma consequência lógica de se considerar provado que esse mesmo contrato foi celebrado em 21 de Dezembro do mesmo ano.
II. Contrato de seguro marítimo é aquele pelo qual o segurador se compromete, mediante o pagamento de um prémio, a indemnizar o segurado do prejuízo sofrido por bens determinados expostos aos perigos de uma expedição marítima, pelo facto da superveniência de certos riscos, ou seja, trata-se de uma operação pela qual uma parte, o segurador, promete a outra parte, o segurado, fornecer-lhe, a ela ou a terceiro, mediante uma remuneração denominada prémio, uma prestação no caso de verificação, quanto a certas coisas convencionadas, de riscos relativamente aos quais as operações de navegação ou de transporte marítimo sejam a causa, a ocasião ou o teatro.
III. A nulidade do seguro cujo risco não existia à data da celebração do contrato, por ter cessado ou por já se ter verificado, encontra uma excepção importada do seguro marítimo, em que frequentemente o seguro se impõe em termos comerciais sem que, face às distâncias e às dificuldades de comunicação, os interessados tenham conhecimento do estado das coisas a garantir: os riscos putativos.
IV. Nesta espécie de contratos de seguro, o risco já não existe realmente, mas existe para os contraentes e é por isso que se que a «alea» é putativa, não repugnando à natureza do contrato que a incerteza do evento só exista na mente dos outorgantes e que se tenha assim, por verificada a existência desse elemento essencial do contrato.
V. Os riscos putativos, admitidos pela generalidade das legislações, encontra hoje a sua justificação fortemente mitigada pela facilidade de comunicações, sendo de limitar a sua aplicação na medida em que ou já não existe o risco, e o segurado fica inutilmente onerado com o prémio, ou o sinistro já se verificou, e o segurador tem de indemnizar sem o benefício da lei das probabilidades; e o seguro fica sendo assim uma espécie de jogo de azar.
VI. Com os riscos putativos não devem confundir-se os seguros com cláusula de boas ou más notícias (lost or not lost), mediante a qual o contrato cobre os prejuízos que ocorram antes da conclusão do contrato, quando aqueles não fossem conhecidos do segurado.
VII. Aquilo a que a lei chama «conhecimento» não é senão o resultado de um juízo probabilístico que os sujeitos poderão ou não formular, com base na informação ao seu dispor.
VIII. Em rigor, deve entender-se que o contrato será nulo quando o segurador, o tomador ou o segurado tenham avaliado o risco como inexistente, aquando da sua celebração, por se encontrarem na posse de informação que, se partilhada, levaria os demais sujeitos a chegar à mesma conclusão, justificando-se esta última precisão porque, apesar de tudo, a lei coloca esta questão no plano do conhecimento, afastando, por esse motivo, a relevância de juízos de risco não suportados em moldes que pudéssemos de algum modo qualificar como objectivos, com as limitações que este adjectivo comporta.
IX. O seguro de boas ou más notícias tem em comum com o risco putativo a possível inexistência ou incerteza do risco, mas apenas neste último existe uma representação mental dos contratantes sobre a possibilidade de o objecto seguro já não existir ou já ter chegado ao seu destino, aceitando essa possibilidade e, verificando-se um sinistro, criando a ficção de que ocorreu na vigência da apólice.

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